3 de ago. de 2011

CONFISSÃO

Como muitos que me seguem já devem saber, meu "forte" nunca foi a produção de textos. E de uns tempos pra cá, venho associando minhas imagens, minha vida e todo um contexto da nossa sociedade aos textos de algumas pessoas que eu admiro. Hoje recebi este aqui. Espero que gostem...


Por Gustavo Canesso


Foto: Aline Samara


Ele estava no alpendre e não tinha noção de que horas eram. Fumava um cigarro evitando pensar demais e acabar perdendo a sanidade. Muita coisa iria mudar a partir daquele dia. Com 16 anos deveria ser proibido sofrer daquela maneira, aquela ainda era uma idade de se acreditar na imortalidade de seus pais e não na sua, para se convencer de que se precisa deles e não o contrário.  

Os dias anteriores passaram devagar. Desde um mês já sabia que um novo começo estava próximo. Sentia medo. Mesmo tendo consciência da doença de sua mãe nunca quis pensar que a pessoa, que em sua cabeça era um anjo, pudesse simplesmente não respirar mais. A conseqüência que mais temia era a convivência mais estreita com aquele considerado o desafeto mais íntimo, aquele que amava, mas com quem tinha grandes dificuldades. Este homem foi o que lhe deu a vida e a condição de sobreviver, mas foi também a palma que lhe doía à face e a voz que tantas vezes maltratou seus ouvidos. Seu pai parecia um estranho. Nunca havia parado para pensar nas circunstâncias que estaria inserido agora. 

Continuaria vivendo, se lembrando da lição que sua mãe havia ensinado: independente de qualquer coisa saber que se sua vida está ruim, tem sempre alguém em uma situação pior. Seu norte agora seria este, porém queria entender como alguém diz para sempre seguir em frente e se esquece de dizer que ficará para trás. 

Os amigos continuariam ali, porém muito mais próximos. A dor seria compartilhada e a convivência cada vez maior e necessária. O amor que sentia por eles se confirmaria a cada dia. A família que Deus havia lhe dado oportunidade de escolher seria, de fato, uma família. Tinha medo de perdê-los e por isso tomaria atitudes sistemáticas. Apesar do amor pelos amigos ser bem definido e claro para ele, dois amores ainda continuariam oblíquos. Nunca se apaixonou e por estar em um momento de fraqueza tomaria atitudes de pessoas apaixonadas, porém, por incrível que pareça, sem paixão. Não se arrependeria, porém teria consciência que poderia ter evitado. Um caminho diferente faria parte de sua vida, ele faria a rosa sair despedaçada e o cravo vencedor em sua batalha paradoxal. Antes pensara que em seu interior habitavam duas pessoas distintas, agora, porém, saberia exatamente quem era. Nem por isso encontraria o primeiro amor. O outro amor é aquele que descobririaque passaria a dedicar a seu pai. A proximidade e a dor fariam duas pessoas muito diferentes e distantes, apesar de viverem na mesma casa,  conseguirem saltar tamanha distância e trabalhar a afetividade recíproca.  

Ele estava no alpendre e não tinha noção de que horas eram. Pensou poder adivinhar o futuro e imaginara o que seria sua vida dali para frente. O que parecia óbvio poderia não ser. Fumava para se esquivar da morte e fingia se esquecer de que a cada tragada a morte se fazia mais próxima.




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